Henrique Maximiano Coelho Netto

Príncipe dos Prosadores Brasileiros

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O aroma das Camélias

Se eu disser que a pequena história que vos ofereço me foi contada num jardim por uma camélia branca direis, sem hesitar, que minto, que faço apenas fábulas e contos. Entretanto… é tão fácil por à prova o que afirmo! Saí uma noite, noite de luar – porque as flores só falam quando há lua – inclinai-vos sobre a primeira camélia que encontrardes e, sem que outras ouçam, dirigi à flor esta pergunta:
“ - Clara flor, se te não custa, conta-me por que, sendo assim tão formosa, não tens aroma como as outras flores?”
E a camélia vos dirá, incrédula leitora:
“A minha primeira irmã, a primeira camélia, não era, como eu sou, inodora e pálida. Tinha leve rosado nas pétalas e o seu perfume vencia o das outras flores: ela apenas entre mil, fossem todas essas mil violetas e rosas.”
Infelizmente era a pobre levantina e o Levante é também o berço das mulheres lânguidas.
Uma noite, estava minha irmã, a primeira camélia, desabotoando para receber a visita da lua, quando ouviu o lamento sentido de uma triste moça, que se lastimava do abandono em que a deixara o noivo. A mísera soluçava tanto que minha irmã, comovida, dirigiu-lhe a palavra:
“ – Que mal te aflige o coração, formosa?”
E a moça, chorando, disse:
“Flor cândida, balsamínea flor, sou a mais infeliz entre as mulheres. Amo! Amo perdidamente um cavaleiro nómada. Ele é formoso e valente. Seu braço é tão forte brandindo o alfange largo quanto é carinhoso quando toma pela cinta qualquer rapariga. Eu sei da causa do seu desprezo, sei por que o infiel evita-me! A outra que ele beija e abraça nesta hora tem mais haveres do que eu tenho esperanças e só em perfumes a traidora esgota todas as manhãs uma pesada bolsa de sequins. Eu, pobre moça do campo, como hei de vencer a minha rival formosa? Como comprar perfumes? Como descobrir essências? Nunca será meu! Oh! Nunca! Por mais que eu lhe ofereça a minha adolescência e a virgindade da minha boca, nunca tocada pelo beijo.”
E desatou a chorar.
Minha irmã, pobre louca! Enternecida, chamou para junto da sua corola a moça delicada. Ordenou-lhe que descobrisse o colo e nas duas colinas morenas pôs dois pequenos botões, coloriu-lhe com a sua cor as faces desmaiadas e, despindo-se do seu perfume, ungiu a moça com ele. E disse-lhe:
“ – Vai! Conquista o cavaleiro amado. Goza com ele a noite da primícia e, pela manhã, antes que o sol desponte, volta a trazer-me o aroma, a cor e os meus botões vermelhos.”
E a moça partiu. Partiu e nunca mais voltou. Nunca mais! E como voltar se perdera o aroma que lhe emprestara minha irmã, a primeira camélia? Como voltar com os pequeninos botões fanados, a cor do rosto esmaecida e sem aroma, o delicioso aroma que levara? Nunca mais voltou! Mas o aroma, o aroma de minha irmã, a primeira camélia, encontra-se, ainda hoje, não em nós, pobres flores! Mas nos colos virgens e espalhado pela garganta, pela nuca, pelos seios das moças donzelas. É esse aroma que estonteia, que enerva, que alucina, perfume da carne pura, essência da castidade, roubado às camélias, roubado à minha irmã pela moça do campo. Eis por que nós outras não temos cor e as nossas pétalas são pálidas. Eis por que não temos aroma e as nossas corolas são áridas. Furtaram o nosso dote, o nosso dote levou-o a moça levantina.”
Isto, justamente como está exposto, ouvi eu, e vós, incrédula leitora, ouvireis igualmente, se consultardes uma camélia, em noite de luar, porque as flores só falam quando a luz esplende.
(Coelho Netto, Henrique Maximiano. “O aroma das Camélias”. In.: Baladilhas. 3ªed. Porto, Livraria Chardron, de Lello e Irmão, Lda, 1924, p.31-36.)

1 comentário: